segunda-feira, 17 de outubro de 2011


O SONO BOM

Surpreendido, notava que nenhum de vocês fazia caso da presença de tia Eunice, dando-me a impressão de que não na viam; e até o doutor Martinho, que lhe ficava defronte, mostrava absoluta indiferença; Ela, contudo, não estava menos satisfeita por isso.
Após acomodar-se à cabeceira, nossa tia posou a mão macia sobre a minha
cabeça e grande alívio me banhou o coração.
Tive a idéia de que raios de sol me penetravam o corpo em desalento.
Não pude conversar como desejava, mas não consegui pensar mais claramente.
Desviei a atenção que concentrava na garganta dorida e raciocinei sem maior aflição.
Estaria menos mal? A morte permaneceria rondando-me o leito? Que conteceria
nos próximos minutos?
Quis endereçar algumas perguntasà Tia Eunice, explicando-lhe, ao mesmo
tempo, que sentia imenso receio de morrer; todavia, meus lábios estavam quase
imóveis.
Ela, porém, segundo minha observação, percebeu, de pronto, o que me passava pelo cérebro.
Sorriu-me, bondosamente, e disse:
-Você, na verdade, acredita que alguém possa desaparecer para sempre? Não creia em semelhante ilusão... É preciso tranquilizar-se. Afinal de contas, os dias de dor e as noites de insônia têm sido numerosos.
-Sorriu, com ternura mais acentuada, inspirando-me profunda confiança, e tornou a dizer:
-É necessário que você durma sossegado, sem qualquer inquietação.
E como eu lhe ouvisse os conselhos, acrescentou:
-Descanse, Carlinhos! Ceda, sem temor, à influência do sono. Velarei por você...
Em seguida, passou a mão direita, de leve e repetidamente, sobre a minha cheia de feridas. A transformação que experimentei foi completa. Acreditei que me estivesse aplicando deliciosa compressa de alívio. As dores que me atormentavam, havia tanto tempo, cederam, pouco a pouco.
Indizível tranquilidade dominou-me, por fim. Entreguei-me, confiante, aos carinhos de Tia Eunice, como me abandonava, comumente, à ternura de mamãe.
Logo após, a mão dela, carinhosa e boa, afagou-me o roto banhado de suor, detendo-se docemente sobre minhas pálpebras...
Tentei, ainda, olhar para você; todavia, não pude.
A visitante inesperada cerrou-se os olhos, com brandura, e acentuou:
-Durma, Carlinhos! Você está cansado...
Nada respondi com a boca; entretanto, concordei mentalmente, agradecido e reconfortado.
Tia Eunice observou-me a silenciosa de satisfação, porque, nesse instante, curvou-se e beijou-me.
Recordei-me, então, do beijo de mamãe, cada noite, e, em vista do alívio que eu sentia, entreguei-me finalmente ao sono bom.

LIVRO MENSAGENS DE UM PEQUENO MORTO
CHICO XAVIER POR NEIO LÚCIO

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