segunda-feira, 24 de outubro de 2011


CARINHO E CONFORTO

Que significava aquela afirmação?
Rente a mim, conservava-se tia Eunice, viva e bem disposta.
Não conseguiria manter qualquer dúvida. Não me encontrava mais envolvido na
alucinação ou no sonho. Minha consciência estava lúcida.
Intrigava-me, contudo, variadas questões, atormentando-me o raciocínio. Sabia
que tuia Eunice já havia morrido desde e muito. E eu? Não me encontrava ali, num quadro natural? Tocava meu próprio corpo, observava paredes e móveis. “Aquilo” seria morrer?
Bastou que eu formulasse tais pensamentos para que ela me sorrisse, bondosa,
acrescentando:
-Sim Carlinhos, você permanece agora entre nós, os que já passamos pela sombra do túmulo.
Francamente, senti arrepios de medo, ,as Tia Eunice, longe de magoar-se,
observou:
-Tolinho! Por que se acovardar? Não tema.
Tanta serenidade infundiu-me confiança. Contudo, os gritos que eu ouvia
perturbavam-me o equilíbrio. Por que motivo escutava semelhantes vozes da mamãe, ali, onde não tinha razão de ser? Imenso mal-estar apoderou-se de mim. Todas as dores, que eu sentia, anteriormente, regressaram ao meu corpo.
Comecei a chorar, convulsivamente.
Tia Eunice, todavia,compreendeu tudo e, dando mostras de saber o que se passava em meu íntimo, acariciou-me, dizendo:
Não se assuste, meu filhinho. As vozes que ouve são realmente da mamãe, que ainda não pode compreender a vida. Você ainda se encontra ligado a ela por vigorosos laços de amor, cheio de apego desvairado e violento. Tenha calma e procure distrair-se.
Quis obedecer à ordem afetuosa, mas não pude. Aqueles apelos que me pareciam chegar de muito longe e minhas ânsia de rever a mamãe querida eram demasiado fortes para que me sentisse libertado num minuto.
Oh! Mas era horrível! Os gritos maternos faziam-se mais altos e mais fortes,
dentro de mim, à medida que eu cedia ao desejo de tudo recordar. E, com isso,
voltaram-se todos os sofrimentos, um a um: a falta de ar.
Tive a idéia de que recomeçava também minha longa e dolorosa agonia.
Tia Eunice exortou-me a ser forte e pensar na Bondade Divina, de modo a vencer as pesadas impressões do momento, mas debalde.
Após banhar-me a fronte em água fresca, apanhada em vaso próximo, acentuou, carinhosamente:
-Não tenha receio. Temos igualmente devorados médicos por aqui e já mandamos buscar um facultativo para atender-nos.
Aflito e desalentado, comecei a esperar.

LIVRO MENSAGENS DE UM PEQUENO MORTO
CHICO XAVIER POR NEIO LÚCIO

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