quinta-feira, 20 de outubro de 2011


DESPERTANDO

Cansado, porém, de interrogações interiores a se repetirem sem resposta, rendi-me aos carinhos de nossa tia e passei à inconsciência completa.
Quanto tempo gastei, nesse sono pesado, sem lembranças?
Não conseguiria responder. Sei somente que despertei, assustado, sem atinar com a situação.
Encontrava-me sozinho, encerrado numa câmara muito limpa e inundada de luz.
A solidão infundia-me repentina tristeza; entretanto, semelhante impressão era atenuada pela janela aberta, dando passagem a jorros de intensa luz.
As paredes mostravam pinturas alegres; eu porém, perguntava a mim mesmo se não fora transportado para algum hospital.
Ao longe, através da janela de vastas proporções, via a paisagem desdobrar-se...
O céu azul-radioso parecia mandar-me brisa suave e refrigerante.
Examinei, atenciosamente, em torno. O mobiliário era muito diverso.
Pelas poltronas acolhedoras e divãs convidativos, concluí que a sala era exclusivamente consagrada ao repouso.
Reparei em mim próprio, surpreendido. Teria passado a difteria? O Doutor Martinho conseguira finalmente curar-me? Minha garganta não doía mais. Não fosse afranqueza em que me achava, quase poderia levantar-me e ensaiar alguns passos.
Toquei meus cabelos e meus pés.
Que ocorrência me levara a semelhante modificação? Estaria, porventura em casa? Aquele compartimento, porém, me era totalmente desconhecido.
Recordava os últimos quadros que haviam precedido meu grande sono.
Fortemente admirado, recordava-me de suas mínimas particularidades.
E mamãe? Por que não aparecia? onde estava, sem trazer-me o abraço carinhoso de felicitações pela convalescença? Relembrando-lhe a ternura das últimas horas de meu corpo terrestre, experimentei funda saudade, com infinito desejo de chorar. Somente então observei que passara longas horas sem dizer coisa alguma. Minha garganta estaria em condições de auxiliar-me? Tentei a prova egritei:
-Mamãe! Mamãe!
Logo após uma voz lamentosa ressoou dentro de mim. Bem notei que não registrava com os ouvidos. Parecia nascer de meu próprio coração, dilacerando-o. Era bem a voz de nossa mãezinha, acenando com acento angustioso:
-Carlos! Carlos!... meu filho, volta, volta!...não me abandones!...
Antes que se pudesse refletir sobre a nova situação, abriu-se uma porta próxima, dando passagem à tia Eunice, que aproximou-se de mim, sorridente, e, sentando-se ao meu lado, disse-me, na perfeita compreensão do que me ocorria: se assuste, Carlinhos! Você está presentemente entre nós.

LIVRO MENSAGENS DO PEQUENO MORTO
CHICO XAVIER POR NEIO LÚCIO

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