terça-feira, 30 de dezembro de 2014

LIVRO VOZES DO GRANDE ALEM DE FRANCISCO CANDIDO XAVIER POR ESPIRITOS DIVERSOS

NOITE DE FINADOS
Augusto dos Anjos

Terminávamos nossas lides espirituais da noite de 3 de novembro de 1955, quando notável surpresa nos felicitou os corações.

Pela primeira vez em nossa casa, o Espírito Augusto dos Anjos, o inesquecível poeta paraibano, se utilizou das faculdades psicofônicas do médium, transmitindo-nos o poema aqui transcrito, por ele pronunciado com inflexão de profunda emotividade e grande beleza.

Finados. Noite. Em lúgubres acentos,
Passa ululando horrenda ventania,
Cantochão estendendo a nevoa fria
Na cidade dos vermes famulentos.
Avançam larvas com medonha fúria,
Insensíveis ao fausto das legendas,
Congestionando o chão aberto em fendas,
No pungente festim da carne espúria.
Dormem os anjos de pedra sobre as lousas...
Dos mausoléus ao solo miserando,
Choram rosas e goivos, irmanando
A poeira da carne e o pó das cousas.
De aprimorados nichos e capelas
Que definem o brio dos coveiros,
Envolvendo ciprestes e salgueiros,
Sai o cheiro de morte que há nas veias.
O doloroso pio das corujas,
Como sinal soturno em fim de festa,
Da glória humana é tudo quanto resta
Nos mármores que guardam cinzas sujas.
Ao nosso olhar, no quadro em desconforto,
Estranhos círios luzem comovidos:
São as preces vazadas nos gemidos
De quem sofre no mundo amargo e morto.
São as flores do pranto agro e sem nome
Que a saudade verteu, desfalecida,
Atrelada à esperança de outra vida
Para a vida de angústia que a consome.
Aqui, apelos desconsoladores 

Lembram noivas e mães infortunadas...
Mais além, petições desesperadas
Trazem consigo o fel das grandes dores.
Desce, porém, do Espaço almo e profundo
A luminosa e bela romaria
Dos mortos que renascem na alegria
Em socorro dos mortos deste mundo.
Chamas divinas da Divina Chama,
Entrelaçam-se em torno à Terra obscura,
Despertando os que jazem na amargura

Dos sepulcros carnais de treva e lama.
Trazem cantando o lábaro fremente
Do amor universal que tudo aquece,
Clamando para a dor da humana espécie:
— Somos filhos de Deus eternamente.
Finados!... Grita a morte estranha e crua
Na química fatal do transformismo.
Mas, transposto o cairel do grande abismo,
Eis que a Vida Infinita continua...

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